Das celas aos museus. Corpos tatuados e políticas de memória (Brasil e Portugal, século XX)
Resumen
A trajetória histórica da tatuagem percorre um arco que vai da exotização à marginalização, até alcançar, nas últimas décadas, maior aceitação e circulação social. Este artigo parte da análise e duas exposições, Cicatriz (Brasil, 1996) e O mais profundo é a pele (Portugal, 2017), construídas a partir de acervos institucionais que registram tatuagens em corpos de pessoas privadas de liberdade. Esses acervos, compostos por registros fotográficos e fragmentos corporais colhidos sem consentimento, documentam práticas de controle penal e científico voltadas a populações historicamente marginalizadas. Tomando esas exposições como ponto de partida, mas cercando-nos também de outros exemplos nacionais e internacionais, refletimos sobre os usos éticos e políticos do patrimônio prisional. O artigo propõe uma discussão crítica sobre os limites entre memoria e espetacularização, problematizando o risco de estetização da dor e fetichização dos corpos condenados. Ao interrogar as formas de exibição desses acervos, buscamos contribuir para o debate sobre a responsabilidade histórica e curatorial diante de arquivos atravessados pela violência e pelo apagamento.
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